CRIANÇAS À ESPERA DE DOAÇÕES- FOTO: ACERVO PESSOAL
É uma experiência fantástica atravessar a Amazônia navegando pelo rio Amazonas e afluentes a bordo de uma embarcação regional. Os rios na região servem como meios transitáveis, pois como diria o poeta e compositor paraense Rui Barata "esse rio é minha rua", e navegar nas "ruas" da bacia amazônica é uma oportunidade para ver a vida dura, porém, fascinante dos ribeirinhos que habitam essa parte do país.
O barco - meio de transporte mais usado devido à peculiaridade geográfica da região- sai de Belém carregado de passageiros e de carga que são distribuídos nos portos intermediários. Muitos desses barcos que carregam pessoas e mercadorias no interior da Amazônia são de grande porte, são os chamados navios a motor (feitos de ferro ou madeira), alguns suportam mais de quinhentos passageiros; neles há espaço para armar rede (grande maioria dos passageiros); há camarotes com ar condicionado e, certos navios, oferecem suíte- para aqueles que desejam privacidade e estão dispostos a pagar mais; geralmente os barcos de linha apresentam uma área de lazer, onde se pode desfrutar de música ao vivo ou música mecânica; e há as refeições fornecidas pela embarcação e pagas à parte pelo passageiro.
Deixando a descrição da embarcação de lado e voltando os olhos para o rio e suas margens, nota-se o quanto é única e imensamente fantástica a natureza amazônica. Ela nos deixa perplexos diante da forma espantosa que se desenha à cada curva que o rio faz; e quando o rio não faz curva alguma, nos deixa perplexos diante da beleza linear que se desenha.
Contrastando com a beleza natural, observa-se, após algumas horas de viagem, uma quantidade enorme de pequenas embarcações, cada uma com 2, 3 até 4 ocupantes, na sua maioria crianças, esperando que os passageiros dos barcos joguem roupas, alimentos e outras coisas úteis para elas. Este hábito de esperar as embarcações na esperança de recolher alimentos e objetos, envoltos em sacolas plásticas, atiradas por algum passageiro, é a principal ocupação destas crianças durante todo o dia.
Ao longo do rio, no Estreito de Breves, o número de canoas carregadas de crianças esperando pelas doações aumenta, e nelas, para conseguir a simpatia dos passageiros, sempre há uma criança de no máximo 3 anos acenando, enquanto as outras, maiores, ficam gritando para os passageiros. Essas crianças têm a incrível habilidade de fazer a canoa minúscula resistir as ondas produzidas pelos barcos e de atracarem nele em movimento para comercializarem açaí em polpa, camarão, e, de vez em quando, algumas meninas sobem a bordo para comercializarem seus corpos- lado vergonhoso da realidade dessa região tão desprovida de atenção dos organismos estatais.
O senhor Orivaldo Santos, marinheiro com mais de 40 anos de experiência no trajeto Belém-Manaus, nos relata que o caso das crianças pedintes nem sempre foi assim: há muitos anos as embarcações que faziam a rota passavam em alta velocidade e provocavam ondas que destruíam as canoas que ficavam atracadas nos trapiches¹ das casas. E, para evitar que essas canoas fossem destruídas, os pais mandavam as crianças saírem com as embarcações. Os passageiros, achando que as crianças estavam no meio do rio para pedir alguma coisa, começaram a atirar sacolas nas águas e a partir daí começou essa situação.
Ainda segundo o senhor Orivaldo Santos, a prostituição das meninas do Estreito de Breves acontece uma vez ou outra. Ele conta que as crianças vêm a bordo para trocar suas frutas e camarão por óleo diesel e gasolina, pois o dinheiro não tem muita serventia na região, e esses combustíveis servem de moeda de troca no comércio local. Acontece que algumas meninas, se aproveitando da facilidade de subir a bordo, viram a chance de conseguir algo mais vendendo seus corpos, "mas não são todas", ressalta o marinheiro.
CRIANÇAS À ESPERA DE DOAÇÕES- FOTO: ACERVO PESSOAL
As crianças pedintes do baixo Rio Amazonas assemelham-se aos meninos e meninas de rua dos centros urbanos: os rios são as ruas e rodovias; e os barcos são os carros. E as prostitutas juvenis equivalem às prostitutas de rua das cidades, com a diferença de que, aqui, a prostituição é realizada na frente de suas casas e com o aval de seus pais. É bom destacar que, a regra do aval dos pais serve tanto para os pedintes quanto para a prostituição, pois os próprios pais foram pedintes e as mães, muitas delas foram prostitutas um dia.
As crianças pedintes do baixo Rio Amazonas assemelham-se aos meninos e meninas de rua dos centros urbanos: os rios são as ruas e rodovias; e os barcos são os carros. E as prostitutas juvenis equivalem às prostitutas de rua das cidades, com a diferença de que, aqui, a prostituição é realizada na frente de suas casas e com o aval de seus pais. É bom destacar que, a regra do aval dos pais serve tanto para os pedintes quanto para a prostituição, pois os próprios pais foram pedintes e as mães, muitas delas foram prostitutas um dia.
Tirando essa lamentável realidade que é a prostituição e os pedintes aquáticos, a viagem através do Rio Amazonas é apaixonante! Vemos coisas que só existem aqui, neste pedaço do Brasil esquecido e só citado quando há escândalos ou outra coisa ruim e que tenha potencial para vender jornais e revistas, e aumentar a audiência das televisões. È uma região que precisa ser olhada com carinho e que precisa de investimentos pesados em todas as áreas, em especial na área social.
Quem sabe, essas crianças que hoje vendem sua inocência; vendem camarão, açaí e acenam na esperança de conseguir algo, consigam atrair a atenção do governo para dar início a erradicação dessas práticas que hoje são atração turística : um turismo da vergonha. Quem sabe se o Estado se fizer presente na região com a implementação de políticas sociais emergenciais - nas áreas da saúde, educação, alimentação, agropecuária sustentável... - possamos navegar pelo Rio Amazonas e apreciar sua beleza sem ver as cenas que hoje tomam nosso coração de profunda tristeza. Quem sabe, possamos navegar pelo Grande Rio desfrutando das suas belezas naturais e se orgulhando do seu desenvolvimento social.
Quando leio algo a respeito deste Povo Ribeirinho,o que vem logo em minha mente é uma parte do Hino Nacional : Verás que um filho teu não foge a luta... E que luta!
ResponderExcluirCurti.
Isso é o Brasil, que pena.
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