Páginas

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Curicaca: Preservação à bala


Quando eu ainda era criança, ouvia falar no temor que tinham os pescadores das comunidades de Piracaba e Periquito(atual Santa Cruz)  em encontrar um grupo de homens armados  da comunidade de Curicaca que tinham o intuito de afugentar àqueles que adentrassem o rio Maicuru para esticar suas redes em busca de peixes “melhores’. Este grupo de homens saia de suas casas com o objetivo de patrulhar o rio Maicuru até sua foz, no lago grande de Monte Alegre, no Estado do Pará.
Muitas histórias estão ligadas à preservação do rio Maicuru(do Curicaca para baixo), entre elas: dois assassinatos, inúmeras agressões físicas e verbais, juras de morte e muita especulação e medo tanto por parte dos pescadores e suas redes que insistem em invadir o rio para pescar quanto por parte dos comunitários de Curicaca que não sabem o que ou quem os aguardam a cada patrulha.
Não se sabe ao certo quando começou e sequer sabe-se quem foi o mentor das patrulhas organizadas por homens armados com espingardas, revólveres e facões. O que se sabe é que essa iniciativa funcionou por bastante tempo, os pescadores das comunidades vizinhas que tradicionalmente pescam com redes tinham um certo medo em estica-las no rio que era rico em “peixes graúdos” como pirarucu,tambaqui, surubim, entre outros.
Quando a patrulha que era composta por até vinte homens divididos em várias canoas encontrava alguém pescando com redes, que aqui são chamadas de “malhadeiras”, eles tomavam as redes, se o pescador tivesse arma, esta também era apreendida e de vez em quando(quase todas as vezes) o pescador era agredido fisicamente e sofria ameaças diversas. A confusão estava feita.
No  fim dos anos 80, a primeira morte ligada à essa disputa, o então líder do pessoal que preservava, Henrique de Cristo foi assassinado numa “tocaia” quando voltava do cemitério no dia 2 de novembro, levando um tiro nas costas disparado por um indivíduo de codinome “caçarola”. A morte do líder estremeceu em parte o movimento de preservação, jogando uma nuvem de desconfiança e medo no restante do grupo.
Foi apontado como mandante do crime um pescador da comunidade de Piracaba que ficou preso por alguns dias, mas absolvido por falta de provas. Quanto ao assassino, cumpriu alguns anos da pena e posto em liberdade, porém numa noite escura, quando voltava de uma caçada, foi assassinado  com golpes de facão e semi-esquartejado, o(s) assassino(s) nunca foram localizados, alguém foi preso acusado de participação, mas liberado por falta de provas.
Hoje, o movimento de preservação está enfraquecido e “ apenas algumas famílias preservam a vontade de ver o rio e seus peixes protegidos, outros se deixaram seduzir pela “malhadeira” e a usam no rio (escondido, é claro), pois é mais fácil e mais rápido de apanhar os peixes do que o arpão e a tarrafa”, afirma Juarez de Jesus, filho do lugar e  funcionário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município.
A situação da comunidade de Curicaca que tentou à sua maneira manter seu  meio ambiente preservado para as futuras gerações, mostra a vontade de um povo em preservar a natureza em que vive e de que depende, mostra também que a união de um grupo em torno de um objetivo comum traz resultados eficazes. Pessoas tombaram no meio da jornada, mas de alguma forma, serviram de combustível para que os demais continuassem o sonho.
É claro que o método utilizado pelos moradores de Curicaca não é legal, não é adequado, não é o correto para se lidar como este tipo de situação, mas foi a maneira que eles encontraram para manter equilibrado o meio ambiente ao redor do lugarejo. É claro que existem outras mil opções de preservação com ajuda dos órgãos de preservação da natureza, como ONGs, organismos do Estado, associações, etc. que poderiam dar suporte aos comunitários para que estes deixassem de usar as armas e dessa forma parassem de fazer a preservação à bala.

Nenhum comentário:

Postar um comentário