As pessoas que
atravessaram a década de 1950 contavam com um aparato de utensílios para a casa
muito diferente do que vemos hoje no interior de nossos lares. Eu nasci e fui
criado no interior do Amazônia, num lugar tão distante que só se pode chegar de
barco ou em certas épocas do ano, de carro, mas este último só pode transitar
no verão amazônico, pois no inverno os barcos imperam.
Tomando a
Amazônia como referência, meu pai foi balateiro (seringueiro - balata é uma
árvore que produz borracha assim como a seringueira) de 1940 a 1967 e acumulou uma
verdadeira enciclopédia de histórias referente à essa época.
A primeira
coisa que se fazia era conseguir um fornecedor para os suprimentos necessários
para um período de 6 meses selva adentro. Esse período que se ficava no
interior da mata compreendia o período entre os meses de janeiro a junho ou
fevereiro a julho, dependia da situação, vale ressaltar que esse período
coincide com as cheias na Amazônia e era justamente por isso que iam nessa
época, para facilitar o escoamento da borracha do interior da mata até a
cidade, já que no período de seca era impossível transportar. Era necessário
levar “do alfinete ao foguete” para sobreviver durante o período de extração do
leite do látex. Eram organizadas grandes caravanas com mini-frotas de 8 a 10 canoas carregadas de
suprimentos e pessoal necessários para a exploração do produto e um detalhe: não
havia motor para a impulsão, era tudo no remo ou no “varijão”.
Os homens
saiam da cidade de Monte-Alegre, no Oeste do Pará em direção ao alto rio
Maicuru ou alto rio Paru, um ano exploravam um rio e no ano seguinte exploravam
o outro. Quando chegavam em uma cachoeira, o procedimento era descarregar toda
a mercadoria subir a encosta, e dar a volta na cachoeira, inclusive
carregava-se as canoas, era um esforço tremendo. Calculava-se que a viagem de
ida demorava em torno de um mês, já a volta por estar descendo o rio e trazendo
a borracha que vinha sendo conduzida pela correnteza presa a enormes cabos de
manilha e sinalizada com bóias demorava um pouquinho mais.
Pois bem, ao chegarem ao local
onde seria instalado o barracão chefe, onde eram armazenados todos os
suprimentos necessários para o período em que estivessem ali, descarregavam as
canoas e tratavam de construir os tapiris para acomodar os suprimentos. Mas não
se ficava no barracão chefe, este servia apenas como local de armazenagem de
suprimentos, ia-se muito além na mata onde estavam as balateiras. Lá faziam barracões menores para morar pelo
período em que se fizesse a coleta do leite
e quando acabasse os mantimentos, era só ir buscar no barracão chefe,
viagem que demorava um dia para ir e voltar. A caça era primordial para a
sobrevivência, uma vez que os mantimentos levados eram complementares e os
homens dependiam de suas “miras” para aquisição de carne de mamíferos, aves ou
peixe. E assim ficavam até atingir a produção esperada ou chegar a época de
voltar e entregar a produção ao fornecedor dos suprimentos que somava os
débitos com os lucros da produção e falava quanto era o lucro ou o prejuízo do
balateiro, dependendo do que este fez enquanto estava no balatal.
Passada esta fase, o balateiro
voltava para casa, onde sua esposa (quem tinha) a esperava. Geralmente quando
ele ia para a mata deixava a mulher grávida e quando voltava já encontrava o
filhinho nascido de alguns meses ou encontrava a esposa em vésperas de dar á
luz e ficar pronta para engravidar quando chegasse a época do balateiro partir
novamente para as matas em busca da borracha. E esta era a vida. Na casa não
havia luz elétrica, havia uma lamparina, que era alimentada com querosene, o
fogão era à lenha e não havia cama, todos dormiam em redes coladas umas as
outras. A casa era de palha desde o telhado até as paredes e o piso de barro
batido, o único meio de comunicação era o rádio, acomodado em uma enorme caixa
de madeira do tamanho de um microondas de hoje, era movido por oito pilhas e
tinha uma antena enorme que cruzava a casa e ia para o lado de fora onde subia
até uma imensa vara cravada na terra. Esse rádio era tudo, ouvia-se o que
acontecia no Brasil e no mundo, ouvia-se a radio novela, etc...
Com seu trabalho, o balateiro
saiu da casa de palha e foi morar numa casa de tábuas com telhas de barro e com
quartos divididos, comprou uma geladeira que funcionava a querosene, havia um
tanque para o combustível embaixo onde se girava uma manivela e acendia-se um
pavio e a geladeira começava a funcionar. Foi um grande salto, a família
começou a beber a famosa água gelada, que poucos podiam na época. O homem
montou uma venda que tinha de tudo, desde agulhas, bebidas geladas até armas de
fogo. Foi um salto, mas ainda não havia luz elétrica, não havia fogão a gás (
em casa), não havia televisão, enfim,
não havia muita coisa, mas havia o suficiente para sobreviver dentro das
condições da época.
Comparando a casa em questão e a
vida do velho balateiro falecido em 2007 com as condições atuais, pode-se dizer
que ele vivia numa situação precária, mas era o suficiente para levar uma vida
razoável para a época, hoje temos motor em praticamente todas as canoas que
trafegam pelos rios, igarapés e lagos da Amazônia. O programa luz no campo do governo federal
levou a energia elétrica ao lugarejo onde o balateiro vivia, mas este morreu antes
de ver esse feito, nos últimos anos de sua vida tinha um gerador que funcionava
de 18 as 21h. A televisão em cores
chegou e todos do lugar tem uma acompanhada de uma antena parabólica, o ferro de passar, antes movido á
brasa, hoje é uma necessidade e é elétrico e todos também o tem, a geladeira indispensável para a conservação de alimentos
é um ítem que praticamente todos a tem, já a velha geladeira a querosene hoje é só um utensílio no deposito. O
transporte que leva as pessoas do lugarejo até a cidade é o ônibus e em grandes
invernos é substituído pelo barco. Antes os moradores iam a pé no verão e de
canoa a remo no inverno.
Sem dúvida nenhuma, nossa vida foi absurdamente
facilitada pela transformação que sofreu a humanidade em relação aos meios tecnológicos,
estes facilitaram nossas vidas nos
poupando esforços que antes eram feitos de maneira arcaica, hoje fazemos num
estalar de dedos ou num piscar de olhos , depende de quem o faz.
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